domingo, 19 de junho de 2016

Ex-detentos vivem nas ruas de Porto Velho, consomem drogas e praticam pequenos crimes



Delegado explica que há muitos casos de dependentes químicos que chegam à Central de Flagrante e são liberados porque não cometeram crimes



Canteiro da avenida Tiradentes tem um grupo frequente (Foto: Davi Rodrigues/Focas do Madeira)

Pequenos grupos formados em sua maioria por homens tomam conta de alguns pontos de Porto Velho, como a região do Cai n’Água, Campo 13 de Setembro e canteiro da Avenida Tiradentes. Muitos são ex-detentos e todos são dependentes químicos.

G.M, 35 anos, aos 23 cometeu um assalto a mão armada e foi condenado a oito anos e seis meses de prisão, a princípio, deveria ter sido posto em liberdade após três anos em regime fechado, mas devido às suas faltas graves teve sua liberdade retardada. Aos 27 anos, G. saiu em liberdade após participar de atividades que reduziram a pena. No entanto, o ex-detento tem encontrado muita dificuldade para se recolocar na sociedade. Ele não possui documentos pessoais. 

Natural do município de Guajará-Mirim, G. mora nas ruas de Porto Velho e dificilmente mantém contato com seus familiares. Ao ser questionado como a polícia o trata, disse: “como bandido, batem, xingam, dão murro na cara, tratam como bandido mesmo e quando me levam para Central, o delegado me libera de manhã dizendo que já paguei e não tem como me segurar”. 

G. conta que mantém o vício com as gorjetas que ganha cuidando de veículos na região do  Prédio do Relógio, no centro de Porto Velho. 

Nessa mesma dificuldade, I.R.G., 41 anos, natural de Porto Velho começou cheirando cola de sapateiro na adolescência quando engraxava na Estação Rodoviária e ainda frequentava a escola. Aos poucos foi se envolvendo com crimes e já esteve por três vezes no Sistema Prisional. Passa a maior parte do tempo se drogando entre outros dependentes químicos no entorno do Campo 13 de Setembro ou na avenida Tiradentes.  Briga constantemente nas ruas, já esfaqueou e foi esfaqueado.

Em uma dessas vezes, passou um mês internado em estado grave no Pronto-Socorro João Paulo II após levar diversas facadas de outro usuário de droga após uma briga em um bar localizado na avenida Jorge Teixeira. Hoje anda com uma garrafa pet cheirando tiner, bebendo álcool e fumando pedra de crack.  Esteve em vários centros de recuperação para dependentes, mas sempre tem recaída. 

Dentre essas idas e vindas, apenas se aproxima de sua família, que mora no bairro Embratel, quando está lúcido. Certa vez, conta, deixou cair uma faísca da droga no sofá e causou um pequeno incêndio.

O diretor da Central de Flagrantes, delegado Claudionor Soares Muniz, rebateu a questão que os policiais militares prendem e os civis ou o poder judiciário soltam. A fim de exemplificar, disse que em 2015 foram registradas 9.236 ocorrências na Central de Flagrantes e desse total houve 4.350 instaurações de inquéritos policiais. Ou seja, quase a metade foi de autuação em flagrante.  Quando recebe a ocorrência, o delegado verifica se o caso configura crime e se este foi praticado mediante flagrante, caso contrário, não cabe prisão.

Dentro da lei

Em relação às pessoas que são eventualmente pegas com pequenas porções de droga em determinados locais e circunstâncias, o delegado explicou que necessariamente não cabe prisão porque o artigo 28 da Lei das Drogas prevê o porte para uso pessoal. Ocorre um procedimento diferente de autuação em flagrante delito, que é o inquérito denominado Termo Circunstanciado (TC). “Então é por isso que ele entra pela porta dos fundos e pode, se for o caso, sair pela porta da frente após assinar um termo de compromisso em comparecer nos autos. Isso está previsto em lei”, diz o diretor da Central de Flagrantes.

De acordo com Claudionor Soares Muniz, das ocorrências citadas 1.540 se transformaram em TC, que são aquelas ocorrências de menor potencial ofensivo a exemplo de posse de droga, lesão corporal, ameaça, injúria, difamação e desacato. “Ainda dentro dessas 9.236 ocorrências nós temos 4.711 prisões que não foram de flagrantes e sim de mandado, ou seja, são pessoas que foram recapturadas. O que quero dizer com isso é que dentre essas ocorrências uma minoria saiu daqui sem que a pessoa fosse presa, submetida a TC ou a inquérito”, detalhou.


Delegado Claudionor, diretor da Central de Flagrantes
(Foto: Davi Rodrigues/Focas do Madeira)
A pessoa conduzida à Central de Flagrantes só é liberada se o fato não for criminoso e não couber flagrante, mas se for afiançável a pessoa recolhe a fiança. Por outro lado, todos os presos, exceto os com mandados de prisão que vão direto para o presídio, são apresentados ao juiz de custódia. “Este é quem faz a análise se pode ser decretada a preventiva contra aquela pessoa que está sendo apresentada, ou se ela recebe liberdade provisória ou relaxamento do flagrante para ser solta. Só para ter uma ideia, eu estou na Central desde dezembro e só vi um caso de relaxamento de prisão em flagrante, agora de liberdade provisória tem sido praticamente a regra” explicou.

Em relação as idas e vindas de ex-detentos à Central de Flagrante, diz que se o conduzido cometeu um crime há oito anos, o Delegado pesquisa se ele tem um mandado pendente, caso contrário, não tem o que cumprir contra o mesmo. No entanto, independentemente do tempo que ficou preso, caso seja pego com droga é apresentado em circunstância de flagrante e a autoridade policial lavra o TC. “Essa conversa de que ‘eu passei pela Central de Polícia e me liberaram sem tomar providência alguma’, isso não acontece, não acontece porque as providências são adotadas aqui tanto é que os números indicam uma alta produtividade nesses procedimentos” concluiu.

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Pauta e texto: David Rodrigues 
Edição: Marcela Ximenes

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