sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Do Líbano ao Brasil, Mohamad conta a história que há por trás da famosa esfirra do Sabor Libanês

Seo Mohamad trabalha no Sabor Libanês há 20 anos (Foto: Halex Frederic/Focas do Madeira)

Muitos conhecem sua esfirra, mas poucos sabem da sua história. Mohamad Hijazi, proprietário, cozinheiro, caixa e vendedor do Sabor Libanês, afirma que não tem nem um ‘segredo do chef’, como dizem, na massa da sua famosa esfirra. “Acho que o diferencial é que a gente faz com carinho. É quase um trabalho artesanal”, considera o ‘primo’, como é conhecido por inúmeras pessoas que entram diariamente na sua lanchonete. Aos 61 anos, o libanês diz que se orgulha de fazer parte da história de Rondônia.

Nascido em Karoun, um vilarejo localizado na província de Beqaa, no Líbano, Hijazi conta que parte de sua família veio para Rondônia em 1954 com a oportunidade de emprego, já que naquela época a extração de cassiterita estava em alta na região. No entanto, os seus tios e primos que vieram primeiro acabaram sendo os precursores no ramo da culinária libanesa em Porto Velho com a criação do Restaurante Almanara, em julho de 1966.

Antes da lanchonete, no mesmo espaço, Hijazi tinha uma loja
de confecções (Foto: Halex Frederic/Focas do Madeira)
Com precisão em todas as datas, o libanês lembra que em 15 de abril de 1970, tendo apenas 16 anos, ele partiu sozinho do Líbano e veio para capital rondoniense com intenção de conhecer os familiares que não tinha conhecido pessoalmente até então. “Cortei o mundo e vim sozinho. Não tinha medo de nada, era jovem”, recorda. Ele comenta que, à época, o governo brasileiro emitiu um visto com validade de 60 dias para ele, porém, por ter aprendido a língua portuguesa em apenas dois meses, acabou ficando nas terras tupiniquins.

Estabelecido em Porto Velho, Mohamad começou a ajudar os familiares no Almanara – que ele afirma ‘ser o mesmo local, a mesma família e o mesmo cardápio desde sempre’ – e tomou gosto pela relação entre as pessoas, tanto que, em 1977, ele comprou o ponto, onde hoje é o Sabor Libanês, e começou no ramo de confecção com a KM Magazine. Porém, no início de 1994, ele conta que não gostava mais da freguesia e decidiu acabar com o negócio e fechar a loja.

Sem renda fixa, mas também sem conseguir ficar parado, ele se tornou corretor de imóveis e seguro na capital para garantir seu sustento e de sua família. Em uma das viagens a São Paulo, daquele ano, para comprar produtos típicos libaneses que surgiu a ideia de voltar à adolescência quando ajudava no Almanara e criar seu próprio estabelecimento gastronômico.

Às 8h do dia 10 de julho de 1994, o Sabor Libanês abriu pela primeira vez suas portas como tal. Mohamad brinca com a situação, porque foi no mesmo momento em que estava sendo noticiado sobre a implantação da nova moeda pelo Plano Real. “Pensei comigo: ‘então vamos lá, vamos ver quem dura mais, o Sabor Libanês ou o Plano Real’ e estamos aqui até hoje”, lembra rindo. Só que, no primeiro dia, o Sabor Libanês teve de fechar ao meio-dia por um motivo muito curioso: não tinha mais nada para vender.

Diferencial das esfirras é o preparo no dia, releva 
o libanês (Foto: Halex Frederic/Focas do Madeira)
O sucesso da esfirra do ‘primo’ continua até os tempos atuais. E para garantir o êxito de 20 anos atrás, a rotina de Hijazi é bem diferente de muita gente: às 3h30 ele já está na lanchonete para ajudar a esposa a fazer a massa das esfirras, às 6h vai ao mercado para comprar a carne, verduras e condimentos que faltam e às 7h, de segunda a sábado, ele abre o Sabor Libanês, mas com uma condição. “Não abro se a estufa não estiver cheia de esfirra”, afirma.

A massa da esfirra do Sabor Libanês é uma incógnita para quem se delicia com a comida típica do Líbano. Muitos acham que vão certos ingredientes que não há em outras esfirras comuns, mas Mohamad acaba com o mito, dizendo que a diferença é que todas são preparadas no dia que serão servidas. “Não congelamos nossas esfirras e é por isso que elas não ficam com aquele gosto de amanhecida”, revela. Hijazi conta também que a receita libanesa veio da sua mãe e da sogra, e é a sua esposa que perpetua na prática.


“Eu adoro trabalhar sozinho por conta do tratamento. Eu gosto de tratar todos igualmente. Tenho prazer em atender todos pessoalmente, de me comunicar, tirar brincadeira, e é isso que ganha o cliente” - Mohamad Hijazi


A parte administrativa fica por conta dos dois filhos que tem. “Desde pequenos eles me acompanhavam aqui [Sabor Libanês] e são eles que mandam nisso tudo”, afirma. Além dos filhos e Mohamad, não há mais ninguém que atende no Sabor Libanês, e, apesar da cara dura, ele garante que adora se comunicar com os seus clientes, e afirma que é isso que faz o negócio dar certo. “Eu adoro trabalhar sozinho por conta do tratamento. Eu gosto de tratar todos igualmente. Tenho prazer em atender todos pessoalmente, de me comunicar, tirar brincadeira, e é isso que ganha o cliente”, garante.

Sobre a aposentadoria, Hijazi diz que ‘nem pensa nisso’ e que o Sabor Libanês é um dos maiores prazeres da sua vida. “Não quero me aposentar para ficar em casa parado. Capaz de eu pegar uma depressão, ficar doente. Não quero isso. E eu gosto daqui, tenho prazer no que eu faço”, afirma.

No aniversário de 61 anos, o 'primo' reuniu toda família no 
Líbano para a confraternização (Foto: Arquivo pessoal)
Saudades
Em agosto deste ano, ‘seo’ Mohamad completou 61 anos e se deu de presente de aniversário uma viagem ao Líbano. Mas não era uma viagem qualquer: ele queria reunir todos os irmãos para aquela data e no país em que nasceu. “Fazia muito tempo que não juntava todos os irmãos com papai e mamãe no Líbano. Queria reunir todos para tirar aquela fotografia”. E conseguiu.

Há mais de 40 anos em Rondônia, Mohamad diz que a saudade é um dilema para ele porque ele pensa toda hora em voltar para o Líbano, mas quando está lá, pensa em Porto Velho. “Bate saudade da família, tanto de lá, quanto de cá, mas aqui eu tenho meus filhos. Tanto que dessa vez quando fui para o Líbano, mandava mensagem toda hora para eles aqui no Brasil”, lembra.

Rondônia
Mohamad recorda que ficou entre Porto Velho e Ji-Paraná por 12 anos e que ajudou a construir uma das avenidas mais importantes de Ji-Paraná, a Avenida Brasil. "Eu morava do lado da mata virgem, e como eu tinha contato com o prefeito da época, numa troca de favores, eu pedi pra ele abrir aquela mata. E aquilo foi o começo para a Avenida Brasil hoje”, afirma Hijazi, dizendo que nos livros de história da cidade, nunca constou seu nome.

O homem libanês já foi vendedor ambulante, caminhoneiro e garante que ajudou a desbravar Rondônia junto com muitos outros estrangeiros que contribuíram para a história do Estado. Além disso, Mohamad lembra que atende hoje a 4ª geração de uma família. “Tem pessoas aqui em Rondônia que eu atendi lá no Almanara e hoje eu atendo o bisneto aqui no Sabor Libanês”, recorda Hijazi, que diz ter ensinado mais coisas do Líbano do que ter aprendido coisas de Rondônia.

Mohamad diz sofre um dilema de saudades entre o Brasil e o Líbano (Foto: Halex Frederic/Focas do Madeira)

Família
“Primeiro Deus, depois minha família. O resto é consequência”, comenta o ‘primo’ categoricamente sobre as coisas mais importantes na sua vida. Para o libanês, respeito, educação e moral se aprendem em casa com a família e são os elementos essenciais para ter sucesso na vida.

Muito além do trabalho, das esfirras e das histórias de vida, Mohamad afirma que o Almanara e Sabor Libanês são lugares para juntar pessoas. “É um lugar para juntar amigos e, principalmente, famílias em todas as suas gerações”, finaliza.


Pauta e texto: Halex Frederic (6º período)
Edição: Marcela Ximenes

19 comentários:

  1. Gostei quissó. O texto ficou com o sabor das esfihas de carne do "brimo". Parabéns Halex.

    ResponderExcluir
  2. Só fez pra ganhar esfirras! Hahahaha, mentira! Parabéns Halex, ficou ótima!!! Adorei conhecer um pouco mais da história do rei das esfirras!

    ResponderExcluir
  3. parabéns, Marcela! mestre e aprendiz trabalhando lado a lado dá nisso: texto jornalístico de qualidade!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Morei seis anos em porto. Velho tive o prazer. De. Saborear esta famosa esfirra do sr. Mohamed, junto com amigo chamado paulao ele mesmo que levou para experimentar. Gostei muito. Ficar longe da família nao é fácil. Passei por isto. Hoje estou aqui no Maranhão, mais sempre recordo por onde andei. Felicidades sr. Mohamed que DEUS conforte seu coração. E de sua família.

      Excluir
  4. Ótimo texto. Essas esfihas são divinas! Apenas duas correções para contribuir: o Plano Real, ou melhor, a circulação da nova moeda começou em 1 de julho de 1994 no governo do presidente Itamar Franco. FHC só seria eleito presidente no final deste ano. Saudações.

    ResponderExcluir
  5. Òtima matéria...muito bem explicada e bem dinâmica...o texto me prendeu até o final com empolgação!! parabéns a todos!!! A história e a Esfiha do "Brimo" são fantásticas!!!

    ResponderExcluir
  6. Sr. Mohamed é uma figura, que linda história... comer esfirra lá é sempre uma aula, grande aprendizado!!! Sucesso sempre!!!

    ResponderExcluir
  7. Bela e exemplar história!! Cresci sabendo das delícias do Almanara... ja levei meus filhos, espero levar meus netos lá!!! Parabéns pelo pioneirismo, pela garra e pela contribuição à história de nosso Estado!

    ResponderExcluir
  8. Sou de Rondônia e quando vou na terrinha as esfilhas são parada obrigatória, sempre falo aqui em Manaus que PVH tem a melhor esfilha do mundo rs Parabéns pela matéria e ao "primo" pelas maravilhosas esfilhas :)

    ResponderExcluir
  9. Masha'Allah, parabéns pela História de vida e pelo exemplo de fé , garra e persistência. Que Allah s.w.t. continue sempre abençoando esta família que passei a gostar de coração Fatima Mohamad Hizaji meus parabéns e a seu esposo. Mabrouk !!!

    ResponderExcluir
  10. Love it!! Regards from Belgium Amir Mughal

    ResponderExcluir
  11. Muito boa essa matéria. Parabéns!

    ResponderExcluir
  12. A história dos libaneses em Rondônia, fantástico!

    ResponderExcluir
  13. Comi a primeira vez no Almara em 1973. De lá pra cá, já foram muitas esfirras, charutos e kibes. Os filhos de Mohamed estudaram com meu filho e sempre nos encontrávamos na escola. Trocamos várias idéias e chegamos até a boas gargalhdas. Precisamos de mais matérias do gênero. Parabéns pela linguagem simples, objetiva e pelo estilo de contar os acontecimentos.

    ResponderExcluir
  14. Gostei muito. Um jornalismo envolvente . Parabéns.

    ResponderExcluir